terça-feira, 19 de novembro de 2013

O Juramento

O Juramento

Maju Guerra

Outro dia, depois de anos, resolvi fazer um passeio de trem, passeio curto, a bem da verdade. À minha frente estavam sentadas duas mulheres, uma já na casa dos cinquenta anos, a outra com pouco mais de vinte anos. Como falavam alto, foi impossível não escutar a conversa. Descobri que eram mãe e filha vindas de algum hospital. Lá pelas tantas, a filha comentou:
- Mainha, você viu que médico simpático? Gostei, ele nos tratou muito bem. Só fiquei cismada com o que ele disse depois que agradecemos.
E a mãe:
- O que foi que ele disse?
- “Não precisa agradecer, eu cumpro o juramento de Sócrates”. Ele falou Sócrates, não foi? Quem será esse Sócrates?
A mãe assentiu e respondeu:
- Deu vontade de perguntar, mas me encabulei. Também fiquei cismada com o homem do juramento. Me veio na cabeça que seu pai falava muito de um jogador de futebol por nome Sócrates. Ele disse que o homem deixou de jogar e virou médico. Só pode ser isso, ele fez um juramento que está valendo pra todos os médicos tratarem as pessoas bem. Vou até comentar o assunto com o seu pai.
Tudo esclarecido, a filha concordou. Elas mudaram de conversa.
Quanta criatividade, pensei. Na hora me deu vontade de rir e de desfazer o equívoco. Na dúvida, fiquei quieta.
Ri depois que elas saltaram do trem. Não por julgamento, mas pelo inusitado e divertido diálogo. Pus-me a matutar, engano de fácil compreensão: Juramento de Hipócrates com Juramento de Sócrates. Realmente, o ouvido está mais familiarizado com Sócrates do que com Hipócrates, o grego pai da Medicina que vivera antes de Cristo. Conheci mais de um Sócrates, mas nenhum Hipócrates, creio que por uma questão de sonoridade mesmo. Como ambos foram gregos famosos, um filósofo e um médico, estava tudo no lugar, geograficamente falando. A criatividade humana com certeza é admirável.
 
 
Maria Julia Guerra
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Salvador, outubro de 2010

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

A dor da ausência

A dor da ausência Maju Guerra

Há seis meses ele se fora, havia deixado apenas o cheiro da sua ausência. À noitinha, quando voltava do trabalho, ela já se acostumara ao silêncio entranhado pelos cantos da casa. Dormia ao som da caixinha de música, companheira da infância, aconchego do tempo em que se sabia amada. As lembranças e a bailarina, dando voltas sem chegar a lugar algum, acabavam por lhe trazer o sono sem memórias. Naquela noite, ao abrir o portão, deparou-se com a luz na sala. Cheia de receios, o desconhecido assusta, abriu a porta com cautela. Ele, sentado no sofá, sorria com as mãos estendidas para ela. Ela aceitou suas mãos e seu retorno, não lhe fez perguntas. Agiu como sempre agira antes da sua partida. Decidiu curar as feridas com a presença dele. Depois, depois seria somente depois... Sem dores, compreenderia melhor o que acontecera, aceitaria sua parcela de culpa na separação. Com toda a certeza, o perdão haveria de preencher cada pedaço vazio dentro dela.


Maria Julia Guerra
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